APELO A CONTRIBUTOS/CALL FOR PAPERS

Dossiê: Género, educação e cidadania: conhecimento, ausências e (in)visibilidades

Coordenação:
Cristina C. Vieira
– Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra e Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX (CEIS 20), Portugal.

Teresa Alvarez – Centro de Estudos das Migrações e Relações Interculturais (CEMRI)/Universidade Aberta, Portugal.

Joanna Ostrouch-Kaminska - Faculdade de Ciências Sociais, Universidade de Warmia e Mazury em Olsztyn, Polónia.


Data de submissão: 31 de maio de 2017 (a publicar em novembro de 2017)

A premência de se usar uma abordagem sensível ao género nos diferentes contextos e espaços educativos, formais e não formais, parece não carecer de grandes justificações, dadas as evidências da manutenção, e da reconfiguração, de desigualdades e de discriminações sexuais assentes no diferencial de poder entre mulheres em homens, em diferentes domínios. Em virtude das múltiplas pertenças das pessoas e das suas circunstâncias individuais e sociais, este diferencial de poder entre mulheres e homens, indissociável da interseccionalidade de características, coloca desafios nem sempre conscientemente desocultados e enfrentados por quem ensina e por quem aprende.

A educação formal e o sistema escolar, em particular, partilham, inevitavelmente, dos alicerces sexistas em que se fundamenta a desigualdade social entre mulheres e homens e que são comuns a todos os outros sistemas sociais, do mercado de trabalho e emprego à academia, da política à cultura. Como sublinha Nicole Mosconi (2009), os mecanismos sociais de género atuam dentro da escola da mesma forma como existem e atuam no conjunto da sociedade, o que permite explicar que as dinâmicas escolares, de discentes e docentes, proporcionem a vivência de experiências diferentes a rapazes e a raparigas. As aprendizagens de cada um dos sexos, quer em torno de conhecimentos, quer inerentes ao desenvolvimento de competências pessoais e sociais, consubstanciam, de forma dinâmica, performatividades e visões genderizadas de si, do outro e do mundo, a partir das quais se constroem, e se reconstroem, relações de poder entre os sexos persistentemente assimétricas. Estas dificilmente se alterarão se o conhecimento androcêntrico transmitido pela escola, aquele que é selecionado para ser ensinado e para ser aprendido, não for objeto de questionamento, renovação e atualização, tornando-se igualmente emancipador para raparigas e para rapazes (Alvarez e Vieira 2014).

A educação garante, entre outras, aprendizagens em torno de regras e padrões de convivência que condicionam as relações entre os sexos, configuradas e performativadas no quadro de uma cultura androcêntrica dominante. Esta constitui talvez um dos mais poderosos e invisíveis mecanismos de reprodução e de legitimação das desigualdades sociais entre homens e mulheres. A incorporação desta cultura androcêntrica, persistentemente hegemónica e presente nos diversos contextos, formais e não formais, de educação e de ensino, traduz-se em aprendizagens de subordinação, como lembra Marina Subirats (2016), assim como na ‘naturalização’ da diferenciação valorativa conferida a diferentes saberes e áreas científicas.

Não obstante o caminho já percorrido, fruto dos progressos sociais norteados pelas políticas internacionais ratificadas e integradas nas políticas públicas nacionais dos diferentes países, continua a constatar-se a atualidade da afirmação de Teresa Pinto (2007, 34) de que “a mudança não é, pois, algo que se produz de modo automático e natural à medida que as novas gerações vão crescendo e substituindo as anteriores. As conceções estereotipadas que associam as profissões próprias para os homens à sua função de ‘ganha‑pão’, isto é, de sustento da família, e as profissões adequadas às mulheres à sua função ‘maternal’, persistem na sociedade portuguesa e atravessam todas as gerações”.

Um ato educativo sensível ao género deve ser entendido, seguindo o pensamento de Edmée Ollagnier (2014), como a possibilidade de permitir às pessoas, que aprendem, uma igualdade “de acesso às oportunidades da vida” (p. 223). Sabe-se que esses trajetos pessoais são construídos desde muito cedo e que para os mesmos concorrem quer as aprendizagens feitas em contextos formais, como a escola, quer aquilo que se aprende em contextos não formais, da infância à idade adulta avançada, sendo que essas aprendizagens nem sempre mobilizam – por parte de quem aprende – uma intencionalidade, nem um sentido crítico capaz de avaliar os conteúdos aprendidos e o seu potencial impacto nas decisões pessoais em matérias diversas (Ostrouch-Kaminska e Vieira 2015).

A integração da igualdade entre mulheres e homens como um dos eixos estruturantes do sistema educativo, da educação de infância ao ensino pós-graduado, permanece um imperativo dos países europeus, apesar das diferenças nas políticas nacionais e o maior ou menor sucesso das iniciativas políticas de mainstreaming de género na educação. Estas têm naturalmente de abranger a formação, inicial e contínua, de profissionais de educação e implicam alterações profundas, quer no modo como as instituições educativas e de ensino cumprem a sua missão, quer na cultura organizacional que as carateriza, exigindo a renovação das suas relações de parceria com os diferentes stakeholders. É no quadro da educação para a cidadania das novas gerações, uma das atuais prioridades dos sistemas educativos e das próprias políticas, que Madeleine Arnout (2009) questiona o modo como a integração das temáticas de género responde aos desafios que, no século XXI, a globalização e uma nova visão holística dos direitos humanos têm vindo a colocar à democracia.

Este dossiê temático da revista ex æquo nº 36 pretende convocar diferentes abordagens sobre as relações entre as questões de género, as diferentes modalidades de educação e as variadas formas de experienciar e exercer direitos e deveres subjacentes a uma conceção plural de cidadania. Importa trazer para o debate perspetivas sobre práticas, espaços e agentes educativos que promovam a valorização, de igual forma, junto de mulheres e homens, das dimensões pública e privada da vida humana e a utilização partilhada e equilibrada, por elas e por eles, do tempo, do espaço e dos recursos disponíveis. Perante os desafios colocados por problemas emergentes dos nossos dias, complexificados pela intersecção de identidades e pertenças de indivíduos e grupos, torna-se premente que os sistemas educativos, os curricula da formação inicial e contínua de docentes e as políticas que regulam o domínio setorial da educação sejam capazes de dar respostas cabais às necessidades reais das pessoas (European Commission 2016).

O apelo a contributos para este dossiê temático convida à submissão de artigos de natureza teórica ou empírica de investigadores/as nacionais e internacionais, das diferentes áreas disciplinares direta ou indiretamente implicadas nas reflexões sobre o papel da educação, entendida, em sentido lato, como especificidade humana e como um “ato de intervenção no mundo”, fazendo uso das palavras de Paulo Freire (2000, 22). Serão muito bem-vindos trabalhos de investigação norteados por perspetivas feministas, no quadro dos estudos de género e estudos sobre as mulheres, em qualquer área do saber, de cariz disciplinar, interdisciplinar ou multidisciplinar.

Partindo de perspetivas construcionistas sobre a forma como as dinâmicas de género são negociadas nas relações sociais, sugere-se que sejam trazidos para o debate temas praticamente omissos da agenda da chamada ciência mainstreaming, assim como problemáticas habitualmente secundarizadas nas diversas áreas científicas, fruto da utilização de métodos de investigação tradicionais, de inspiração positivista (Järviluoma, Moisala and Vilkko 2003).

Não esgotando o leque de temas possíveis, sugerem-se os seguintes eixos temáticos:

- O lugar das questões de género na educação formal, da escolaridade obrigatória ao ensino pós-secundário: ambientes, interações pessoais e coletivas, dinâmicas organizacionais, utilização dos recursos.

- Género e cidadania: o papel do conhecimento científico na promoção da igualdade social entre mulheres e homens.

- Género, ciência e cultura académica: androcentrismo, cânones e saberes instituídos.

- Género e curricula em diferentes ciclos do sistema educativo: (in)coerências e divergências/convergências entre discursos e práticas educativas.

- Representações de género, hegemonias e diversidades: aprendizagens de subordinação e aprendizagens de domínio.

- Do sucesso escolar ao sucesso educativo e ao sucesso social de raparigas e rapazes.

- Paradigmas masculinos e paradigmas femininos na educação escolar: centralidades e marginalidades.

- Entre os mundos virtual e real: novos espaços informais e relações sociais de género.

- Problemáticas de género na formação inicial e contínua de docentes: o papel das instituições de ensino superior;

- Género e formação contínua de docentes: parcerias locais e dinâmicas regionais;

- Relações de género, educação e capacitação de pessoas ou grupos em situações de vulnerabilidade (ex., mulheres idosas com baixos níveis de literacia; mulheres ou homens migrantes; pessoas com deficiência e/ou necessidades educativas especiais).

- Género e transversalidade disciplinar: saberes disciplinares e competências transversais na formação de profissionais de educação.

Referências

Alvarez, Teresa e Cristina C. Vieira. 2014. O papel da educação no caminho que falta percorrer em Portugal na desconstrução dos estereótipos de género: breves reflexões. Exedra, 8-17. Disponível em: http://www.exedrajournal.com/wp-content/uploads/2014/12/sup14-8-17.pdf

Arnot, Madeleine. 2009. Educating the Gendered Citizen. Sociological engagements with national and global agendas. London: Routledge.

European Commission. 2016. Promoting citizenship and the common values of freedom, tolerance and non-discrimination through education: Overview of education policy developments in Europe following the Paris Declaration of 17 March 2015. Luxembourg: Publications Office of the European Union. Disponível em: https://webgate.ec.europa.eu/fpfis/mwikis/eurydice/images/1/14/Leaflet_Paris_Declaration.pdf

Freire, Paulo. 2000. Pedagogia da autonomia. Saberes necessários à prática educativa (15ª ed.). São Paulo: Paz e Terra.

Järviluoma, Helmi, Pirkko Moisala, Anni and Vilkko. 2003. Gender and Qualitative Methods. London: Sage Publications. DOI: http://dx.doi.org/10.4135/9781849209199

Mosconi, Nicole. 2009. “Genre et pratiques scolaires: comment éduquer à l'égalité? ”, In Égalité filles-garçons à l'École: réalités et perspectives (actes), Ministère de l’Éducation National. Disponível em: http://eduscol.education.fr/cid47785/genre-et-pratiques-scolaires%C2%A0-comment-eduquer-a-l-egalite%C2%A0.html

Ollagnier, Edmée. 2014. Femmes et défis pour la formation des adultes. Un regard critique non-conformiste. Paris: L´Harmattan.

Ostrouch-Kaminska, Joanna, & Cristina C. Vieira. 2015 (Eds.). Private world(s). Gender and informal learning of adults. The Nertherlands: Sense Publishers. Disponível em: https://www.sensepublishers.com/media/2281-private-worlds.pdf

Pinto, Teresa. 2007. “Mulheres, Educação e Relações Sociais de Género: uma perspetiva histórica”, In A dimensão de género nos produtos educativos multimédia, editado por DGIDC, 31-46. Lisboa: DGIDC.

Subirats Martòri, Marina. 2016. “De los dispositivos selectivos en la educación: el caso del sexismo”. Revista de la Asociación de Sociología de la Educación (RASE) 9 (1): 22-36

Envio de artigos com escrupuloso cumprimento segundo normas apresentadas em http://www.apem-estudos.org/en/page/apresentacao-da-revista, até 31 de maio de 2017, ao cuidado de Cristina C. Vieira (Universidade de Coimbra), Teresa Alvarez (Universidade Aberta) e Joanna Ostrouch-Kaminska (Universidade de Mazury e Warmia em Olsztyn), para o endereço apem1991@gmail.com

Os textos que não respeitarem as normas quanto à extensão, à formatação e ao modo de citar e referenciar as fontes bibliográficas serão excluídos numa primeira triagem antes de serem submetidos a arbitragem. No prazo de quatro semanas após a data limite de receção, as/os autoras/es receberão a informação sobre os resultados da primeira triagem e a passagem à etapa seguinte, isto é, a submissão à arbitragem científica do texto. A data prevista de saída deste número é novembro de 2017.

Além das submissões para os dossiês temáticos, a ex æquo aceita permanentemente contributos para as secções de Estudos e Ensaios e Recensões.

Acesso livre para quem lê e para quem escreve.

SCImago Journal & Country Rank