Pós-Memórias no feminino. Vozes e Experiências na Gramática do Mundo
Editoras:
Sheila Khan - Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, Universidade do Minho/ Universidade de Trás-os-Montes, Portugal
Susana Pimenta - Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, Universidade do Minho/ Universidade de Trás-os-Montes, Portugal
Sandra Sousa - Department of Modern Languages & Literatures, University of Central Florida, EUA
PRAZO PARA A SUBMISSÃO DE ARTIGOS:
7 JANEIRO 2023 (a publicar em junho de 2023)
RESUMO
A vontade que subjaz ao conceito de pós-memória, ainda “emergente”, estruturou-se nos seus primórdios como proposta no estudo das memórias não-vividas, ou de segunda geração, ancoradas às experiências, vivências, perceções e emoções resultantes do cenário profundamente marcado pelo Holocausto e pelos tempos de reconstrução dos sobreviventes e das suas famílias.
A memória do Holocausto é, hoje, um património de carácter universal, pela sua extensa latitude humana e pelo impacto inegável na reconstrução das narrativas de identidade e de vida quer locais, nacionais, quer globais. Porém, as camadas interiores e menos visíveis do pós-Holocausto mereceram, entre outras, uma pergunta que de alguma maneira forneceu o húmus e as sementes para o grande salto que hoje constitui um paradigma, em construção, mas já suficientemente sólido; a pergunta veio da voz de um sobrevivente do Holocausto, o escritor húngaro Imre Kertész: “A quem pertence Auschwitz?” (Ribeiro 2010, 14). A resposta foi claramente o ponto de partida para a criação desse dever de memória que Primo Levi (2011), também ele um sobrevivente dos campos da morte, traduziu nos seus trabalhos como uma espécie de uma responsabilidade cívica e moral, viagem etnográfica e exame histórico em torno da máquina horrorífica da barbárie humana que foram os campos de extermínio nazis.
Conscientes desta caminhada, entre outros autores muito próximos da alma destes contextos, destaca-se o trabalho de Marianne Hirsch, no corpo do qual a autora decalca conceptualmente as seguintes dimensões ancoradas a este conceito. Segundo Hirsch a “Pós-memória aponta para a relação da segunda geração com experiências marcantes, muitas vezes traumáticas, que são anteriores ao seu nascimento, mas que, não obstante, lhes foram transmitidas de modo tão profundo que parecem constituir memórias em si mesmas” (Hirsch 2008, 103). A força estruturante desta definição atravessou não apenas contextos geopolíticos e históricos diversos, como catalisou para o espaço do pensamento académico uma miríade de estudos e projetos de investigação em busca de respostas que outras experiências globalmente importantes viram poder ser mapeadas, criticamente analisadas e legitimadas à luz deste quadro paradigmático que a pós-memória abre (Medeiros 2021).
Importa, deste modo, realçar que a composição de posições teóricas em torno do termo pós-memória nem sempre são unânimes. No entanto, é essa componente da oposição, do contraditório em potência e do debate crítico que a pós-memória almeja instigar entre pares (Sarlo 2012). Marianne Hirsch e Valerie Smith mostraram em 2002 num dossiê especial sobre "Gender and Cultural Memory" a importância de haver mais esforços de se desenvolverem estudos e teorias sobre a memória sob uma perspectiva do feminismo. Como as próprias referem: "o género é uma dimensão inescapável das relações de poder diferenciais, e a memória cultural é sempre sobre a distribuição e reivindicações contestadas de poder" (2002, 6). Neste sentido, este número temático pretende dar continuidade a esses esforços de diálogo entre género e pós-memória que ressurgiram há duas décadas. Temas como os legados das lógicas de colonialidade ocidental nos contextos pós-coloniais europeus mostram como os horizontes são ricos em número e, principalmente, na sua diversidade humana e ontológica. Ocorrem-nos, como exemplos, o neo-colonialismo; o patriarcado estrutural; o racismo sistémico; a reparação histórica nos países africanos e latino-americanos colonizados; e, sobretudo, as lutas cívicas e os ativismos de género, das comunidades indígenas, dos processos de restituição cultural e de reconhecimento moral das atrocidades acometidas nos vários genocídios, regimes ditatoriais e totalitaristas.
Em tempos mais recentes, vários são os cenários nos quais a pós-memória como gesto performativo, mapeador de ausências e criador de diálogos vem manifestando a sua força, o seu vigor e capacidade interativa (Ribeiro e Rodrigues 2022; Sousa 2022; Pimenta 2022). Sem procurar alojar a sua energia numa vontade de construção de hegemonias na autoridade de pensar e de reinterpretar as memórias coletiva, comunitária, familiar e individual, o sujeito da pós-memória transporta consigo esse dom ou mérito interdisciplinar, convocando para os seus esforços e objetivos uma multiepistemologia de saberes e de contribuições oriundas das mais variadas áreas: desde as artes plásticas, artes visuais, artes performativas, passando pela literatura, o cinema, o documentário, o teatro, a música, e desaguando, por ora, numa gradual conquista da arena pública por um ativismo concentrado num dever de memória, de reparação histórica (Hall 2018) e de restituição cultural (Sousa, Khan e Pereira 2022, 11-22).
O presente número temático tem como vontade compreender, mapear e escutar o lugar do feminino na gramática humana e analisar o incomensurável universo de experiências, vozes, narrativas e percursos, que lutam, criticam e cuidam de futuros sustentáveis baseados no diálogo em equilíbrio entre passado e presente (Butler 2017; Davis 2019; Roy 2020; Morrison 1993; Leggott 2015; Schraut e Paletschek, 2008). Como demonstra Margaretta Jolly, "habitamos uma era de ouro digital de receção histórica oral, dando esperança para o futuro da memória feminista, onde os arquivos do passado não são apenas abertos, mas reimaginados." (2019, 249). Neste sentido, temos como mote deste número temático apelar para textos que se debruçam não apenas sobre a questão da memória e feminino, mas sobre o diálogo entre pós-memória e estudos do género, indagando a quem pertence a responsabilidade da pós-memória no feminino. Convidamos as/os várias/os autoras/es à submissão de textos que abordem numa perspetiva de género estes (ou outros) tópicos:
- Resistências, resiliências e sobrevivências no feminino
- Cultura visual: a partir de um olhar situado no feminino
- Espaços e tempos no feminino - Migrações no feminino
- Ativismos no feminino
- Violências, solidão e silêncio no feminino
- Entrelugares no feminino
- Sociabilidades no feminino
- Responsabilidade e dever de memória no feminino
Feminine Post-memories. Voices and Experiences in the Grammar of the World
Editors:
Sheila Khan - Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, Universidade do Minho/ Universidade de Trás-os-Montes, Portugal
Susana Pimenta - Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, Universidade do Minho/ Universidade de Trás-os-Montes, Portugal
Sandra Sousa - Department of Modern Languages & Literatures, University of Central Florida, EUA
DEADLINE:
7 JANUARY 2023 (to be published in June 2023)
Summary
Still “emerging” the will that underlies the concept of post-memory was structured in its beginnings as a proposal in the study of non-lived or second-generation memories, anchored to the resulting experiences, perceptions and emotions resulting from the scenario deeply marked by the Holocaust and the times of reconstruction of the survivors and their families. The memory of the Holocaust today is, due to its extensive human latitude and its undeniable impact on the reconstruction of identity and life narratives, whether local, national or global, a heritage of a universal character. However, the interior and less visible layers of the post-Holocaust deserved, among others, a question that somehow provided the humus and the seeds for the great leap that today constitutes a solid, though evolving, paradigm; the question came from the voice of a Holocaust survivor, the Hungarian writer Imre Kertész: “To whom does Auschwitz belong?” (Ribeiro 2010, 14). The answer was clearly the starting point for the creation of this duty of memory that Primo Levi (2011), also a survivor of the death camps, translated in his works as a kind of civic and moral responsibility, an ethnographic journey and historical examination around the horrific machine of human barbarism that were the Nazi death camps.
Aware of this journey, among other authors very close to core of these contexts, the work of Marianne Hirsch stands out, in which the author conceptually traces the following dimensions anchored to this concept. According to Hirsch, “Post-memory points to the relationship of the second generation with remarkable, often traumatic, experiences that predate their birth, but which, nevertheless, were transmitted to them in such a profound way that they seem to constitute memories in themselves” (Hirsch 2008, 103). The structuring force of this definition crossed not only different geopolitical and historical contexts, but also catalyzed a myriad of studies and research projects in the space of academic thought in search of answers that other globally important experiences saw could be mapped, critically analyzed and legitimized in the light of this paradigmatic framework that post-memory opens (Medeiros 2021).
It is important, therefore, to emphasize that the theoretical positions around the term post-memory are not always unanimous. However, it is this component of opposition—and potentially contradictory and critical debate—that post-memory aims to instigate among peers (Sarlo 2012). Marianne Hirsch and Valerie Smith showed in 2002 in a special dossier on "Gender and Cultural Memory" the importance of making more efforts to develop studies and theories about memory from a feminist perspective. As they themselves state: "gender is an inescapable dimension of differential power relations, and cultural memory is always about the distribution and contested claims of power" (2002: 6).
In this sense, this thematic issue intends to continue those efforts of dialogue between gender and post- memory that reappeared two decades ago. Topics such as the legacies of the logics of western coloniality in European post-colonial contexts; neo-colonialism; structural patriarchy; systemic racism; the historical reparation in colonized African and Latin American countries and, above all, the civic struggles and gender activism of indigenous communities, the processes of cultural restitution and moral recognition of atrocities committed in the various genocides, dictatorial and totalitarian regimes show how horizons are rich in number and, above all, in their human and ontological diversity. In more recent times, there are several scenarios in which post-memory as a performative gesture, mapper of absences and creator of dialogues has been manifesting its strength, vigor and interactive capacity (Ribeiro and Rodrigues 2022; Khan 2021; Sousa 2022; Pimenta 2022). Without seeking to build hegemonies in the authority of thinking and reinterpreting collective, community, family and individual memories, the subject of post-memory carries with it this interdisciplinary gift or merit, calling for its efforts and objectives, a multi-epistemology of knowledge and contributions from the most varied fields: from the plastic, visual and performing arts, to literature, cinema, documentary, theater, music, and leading to a gradual conquest of the public arena by an activism focused on a duty of memory, historical reparation (Hall 2018) and cultural restitution (Sousa, Khan and Pereira 2022, 11-22).
This thematic issue aims to understand, map and listen to the place of the feminine in the human grammar and analyze the immeasurable universe of experiences, voices, narratives and paths, which fight, criticize and care for sustainable futures based on a dialogue in balance between past and present (Butler 2017; Davis 2019; Roy 2020; Morrison 1993; Leggott 2015; Schraut e Paletschek, 2008). As Margaretta Jolly demonstrates, "We inhabit a digital golden age of oral historical reception, giving hope for the future of feminist memory, where the archives of the past are not just opened but reimagined." (2019: 249). In this sense, the theme of this thematic issue is to appeal to texts that focus not only on the issue of memory and the feminine, but on the dialogue between post-memory and gender studies, asking who is responsible for post-memory in the feminine. We invite submissions that address these (or other) topics from a gender perspective:
- Resistance, resilience and survival in the feminine
- Visual culture: from a feminine perspective
- Spaces and times in the feminine;
- Migrations in the feminine
- Activisms in the feminine
- Violence, loneliness and silence in the feminine
- In-between spaces in the feminine
- Feminine sociabilities
- Responsibility and duty of memory in the feminine
Posmemorias en lo femenino. Voces y experiencias en la gramática del mundo
Editoras:
Sheila Khan - Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, Universidade do Minho/ Universidade de Trás-os-Montes, Portugal
Susana Pimenta - Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, Universidade do Minho/ Universidade de Trás-os-Montes, Portugal
Sandra Sousa - Department of Modern Languages & Literatures, University of Central Florida, EUA
FECHA PARA SUMISIÓN DE ARTÍCULOS:
7 ENERO 2023 (a publicar hasta Junio de 2023)
Resumen
La voluntad que subyace al todavía "emergente" concepto de posmemoria se estructuró en sus inicios como una propuesta en el estudio de las memorias no vividas, o memorias de segunda generación, ancladas en las experiencias, vivencias, percepciones y emociones resultantes del escenario profundamente marcado por el Holocausto y de los tiempos de reconstrucción de los supervivientes y sus familias. La memoria del Holocausto es, hoy en día, un patrimonio de carácter universal, por su amplia latitud humana y por el innegable impacto en la reconstrucción de las narrativas de la identidad y vitales, ya sean locales, nacionales o globales. Sin embargo, las capas interiores y menos visibles del post-Holocausto merecieron, entre otras, una pregunta que, de alguna manera, proporcionó el humus y las semillas para el gran salto que hoy constituye un paradigma, en construcción, pero ya bastante sólido; la pregunta vino de la voz de un sobreviviente del Holocausto, el escritor húngaro Imre Kertész: "¿A quién pertenece Auschwitz?" (Ribeiro 2010, 14). La respuesta fue claramente el punto de partida para la creación de ese deber de memoria que Primo Levi (2011), superviviente él mismo de los campos de exterminio, tradujo en sus obras como una especie de responsabilidad cívica y moral, de viaje etnográfico y de examen histórico en torno a la horrenda máquina de barbarie humana que fueron los campos de exterminio nazis. Consciente de este recorrido, entre otros autores muy cercanos al núcleo de estos contextos, destaca la obra de Marianne Hirsch, en en la que la autora traza conceptualmente las siguientes dimensiones ancladas a este concepto. Según Hirsch, la "posmemoria apunta a la relación de la segunda generación con experiencias notables, a menudo traumáticas, que son anteriores a su nacimiento, pero que, sin embargo, les han sido transmitidas tan profundamente que parecen constituir recuerdos en sí mismas" (Hirsch 2008, 103). La fuerza estructurante de esta definición atravesó no sólo diversos contextos geopolíticos e históricos, sino que también catalizó en el espacio del pensamiento académico una miríada de estudios y proyectos de investigación en busca de respuestas que otras experiencias de importancia global vieron que podíam ser mapeadas, analizadas críticamente y legitimadas a la luz de este marco paradigmático que abre la posmemoria (Medeiros 2021).
Es importante, por lo tanto, destacar que las posiciones teóricas en torno al término posmemoria no siempre son unánimes. Sin embargo, es este componente de oposición, de debate potencialmente contradictorio y crítico, el que la posmemoria pretende instigar entre sus pares (Sarlo 2012). Marianne Hirsch y Valerie Smith mostraron en 2002 en un dossier especial sobre "Género y memoria cultural" la importancia de realizar más esfuerzos para desarrollar estudios y teorías sobre la memoria desde una perspectiva feminista. Como ellas mismas afirman: "el género es una dimensión ineludible de las relaciones de poder diferenciales, y la memoria cultural siempre tiene que ver con la distribución y las reivindicaciones impugnadas del poder" (2002, 6). En este sentido, este número temático pretende continuar con aquellos esfuerzos de diálogo entre género y posmemoria que resurgieron hace dos décadas. Temas como los legados de las lógicas de la colonialidad occidental en los contextos poscoloniales europeos muestran la riqueza de los horizontes en número y, sobre todo, en su diversidad humana y ontológica. Algunos ejemplos son el neocolonialismo; el patriarcado estructural; el racismo sistémico; las reparaciones históricas en los países colonizados de África y América Latina; y, sobre todo, las luchas cívicas y el activismo de género, las comunidades indígenas, los procesos de restitución cultural y el reconocimiento moral de las atrocidades cometidas en diversos genocidios, regímenes dictatoriales y totalitarios.
En tiempos más recientes, hay varios escenarios en los que la posmemoria como gesto performativo, mapeador de ausencias y creador de diálogos ha manifestado su fuerza, vigor y capacidad interactiva (Ribeiro y Rodrigues 2022; Sousa 2022; Pimenta 2022). Sin pretender construir hegemonías en la autoridad para pensar y reinterpretar las memorias colectivas, comunitarias, familiares e individuales, el tema de la posmemoria lleva consigo ese don o mérito interdisciplinario, convocando a sus esfuerzos y objetivos una multiepistemología de conocimientos y aportes provenientes de las más variadas áreas: desde las artes plásticas, las artes visuales, las artes escénicas, pasando por la literatura, el cine, el documental, el teatro, la música, y conduciendo a una progresiva conquista de lo público por parte de un activismo centrado en un deber de memoria, de reparación histórica (Hall 2018) y de restitución cultural (Sousa, Khan y Pereira 2022, 11-22).
El presente número temático pretende comprender, cartografiar y escuchar el lugar de lo femenino en la gramática humana y analizar el inconmensurable universo de experiencias, voces, narrativas y recorridos, que luchan, critican y cuidan de futuros sostenibles basados en el diálogo en equilibrio entre pasado y presente (Butler 2017; Davis 2019; Roy 2020; Morrison 1993; Leggott 2015; Schraut y Paletschek, 2008). Como demuestra Margaretta Jolly, "habitamos una edad de oro digital de la recepción histórica oral, lo que da esperanza al futuro de la memoria feminista, donde los archivos del pasado no sólo se abren, sino que se reimaginan". (2019, 249). En este sentido, este número temático apela à la sumisión de textos que se centren no sólo en la cuestión de la memoria y la feminidad, sino en el diálogo entre la posmemoria y los estudios de género, indagando a quién corresponde la responsabilidad de la posmemoria en femenino. Invitamos a varias autoras e vários autores a presentar textos que aborden estos (u otros) temas desde una perspectiva de género:
- Resistencia, resiliencia y supervivencia en el femenino
- Cultura visual: desde una perspectiva femenina
- Espacios y tiempos en lo femenino
- Migraciones femeninas
- Activismos en el femenino
- Violencia, soledad y silencio en lo femenino;
- Interlocuciones en femenino
- - - Sociabilidades femeninas
Post-mémoires au féminin: Voix et expériences dans la grammaire du monde
Editoras:
Sheila Khan - Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, Universidade do Minho/ Universidade de Trás-os-Montes, Portugal
Susana Pimenta - Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, Universidade do Minho/ Universidade de Trás-os-Montes, Portugal
Sandra Sousa - Department of Modern Languages & Literatures, University of Central Florida
DATE LIMITE POUR LA SOUMISSION DES ARTICLES
7 JANVIER 2023 (à publier jusqu’au juin de 2023)
Résumé
Encore "émergente", la volonté qui sous-tend le concept de post-mémoire s'est structurée à ses débuts comme une proposition d'étude des mémoires non vécues ou de seconde génération, ancrées dans les expériences, les vécus, les perceptions et les émotions résultant du scénario profondément marqué par l'Holocauste et les temps de reconstruction des survivants et de leurs familles. La mémoire de l'Holocauste est aujourd'hui un patrimoine à caractère universel, en raison de sa grande latitude humaine et de son impact indéniable sur la reconstruction de l'identité et des récits d’identité et de vie, qu'ils soient locaux, nationaux ou mondiaux. Cependant, les couches intérieures et moins visibles de l'après-Holocauste méritaient, entre autres, une question qui, d'une certaine manière, a fourni l'humus et les graines pour le grand saut qui constitue aujourd'hui un paradigme, en construction, mais déjà suffisamment solide; la question est venue de la voix d'un survivant de l'Holocauste, l'écrivain hongrois Imre Kertész : "À qui appartient Auschwitz ?" (Ribeiro 2010, 14). La réponse a été clairement le point de départ de la création de ce devoir de mémoire que Primo Levi (2011), également survivant des camps de la mort, a traduit dans ses œuvres comme une sorte de responsabilité civique et morale, un voyage ethnographique et un examen historique autour de l'horrible machine de barbarie humaine qu'étaient les camps d'extermination nazis.
Conscient de ce parcours, parmi d'autres auteurs et auteures très proches du cœur de ces contextes, se détache le travail de Marianne Hirsch, dans lequel elle trace conceptuellement des dimensions ancrées dans ce concept. Selon Hirsch, "la post-mémoire désigne la relation de la deuxième génération avec des expériences remarquables, souvent traumatiques, antérieures à leur naissance, mais qui, néanmoins, leur ont été transmises d'une manière si profonde qu'elles semblent constituer des souvenirs en soi" (Hirsch 2008, 103). La force structurante de cette définition a non seulement traversé différents contextes géopolitiques et historiques, mais a également catalysé une myriade d'études et de projets de recherche dans l'espace académique à la recherche de réponses que d'autres expériences globalement importantes ont été cartographiées, analysées de manière critique et légitimées à la lumière du cadre paradigmatique ouvert par la post-mémoire (Medeiros 2021).
Il est donc important de souligner que les positions théoriques autour du terme post-mémoire ne sont pas unanimes. Cependant, c'est cette composante d'opposition - et de débat potentiellement contradictoire et critique - que la post-mémoire vise à susciter entre pairs (Sarlo 2012). Marianne Hirsch et Valerie Smith ont montré en 2002 dans un dossier spécial sur " le genre et la mémoire culturelle " l'importance de faire plus d'efforts pour développer des études et des théories sur la mémoire dans une perspective féministe. Comme elles l'affirment : "le genre est une dimension incontournable des relations de pouvoir différentielles, et la mémoire culturelle concerne toujours la distribution et les revendications contestées du pouvoir" (2002, 6).
En ce sens, ce numéro thématique vise à poursuivre les efforts de dialogue entre le genre et la postmémoire qui sont réapparus il y a deux décennies. Des thèmes tels que les héritages des logiques de la colonialité occidentale dans les contextes postcoloniaux européens montrent combien que les horizons sont riches en nombre et, surtout, dans leur diversité humaine et ontologique. Parmi les exemples, citons le néocolonialisme, le patriarcat structurel, le racisme systémique, les réparations historiques dans les pays colonisés d'Afrique et d'Amérique Latine et, surtout, les luttes et l'activisme civiques des communautés indigènes et des femmes, les processus de restitution culturelle et la reconnaissance morale des atrocités commises dans le cadre de divers génocides et régimes dictatoriaux et totalitaires.
Plus récemment, il existe plusieurs scénarios dans lesquels la post-mémoire, en tant que geste performatif, cartographie des absences et créateur de dialogues, a manifesté sa force, sa vigueur et sa capacité interactive (Ribeiro et Rodrigues 2022 ; Khan 2021 ; Sousa 2022 ; Pimenta 2022). Sans chercher à construire l'autorité de penser et de réinterpréter les mémoires collectives, communautaires, familiales et individuelles, le sujet de la post-mémoire porte en lui ce don ou ce mérite interdisciplinaire, appelant pour ses efforts et ses objectifs, une multi-épistémologie de la connaissance et des contributions des domaines les plus variés : dès les arts plastiques, visuels et du spectacle, à la littérature, au cinéma, au documentaire, au théâtre, à la musique, et conduisant à une conquête progressive de l'espace public par un activisme axé sur un devoir de mémoire, de réparation historique (Hall 2018) et de restitution culturelle (Sousa, Khan et Pereira 2022, 11-22).
Ce numéro thématique a pour objectif de comprendre, cartographier et écouter la place du féminin dans la grammaire humaine et d'analyser l'univers incommensurable d'expériences, de voix, de récits et de parcours, qui luttent, critiquent et prennent soin de futurs durables basés sur un dialogue en équilibre entre le passé et le présent (Butler 2017 ; Davis 2019 ; Roy 2020 ; Morrison 1993 ; Leggott 2015; Schraut e Paletschek, 2008). Comme le démontre Margaretta Jolly, "Nous habitons un âge d'or numérique de la réception historique orale, ce qui donne de l'espoir pour l'avenir de la mémoire féministe, où les archives du passé ne sont pas seulement ouvertes mais réimaginées." (2019, 249). En ce sens, le thème de ce numéro thématique est de faire appel à des textes qui se concentrent non seulement sur la question de la mémoire et du féminin, mais sur le dialogue entre la post-mémoire et les études de genre, en se demandant qui est responsable de la post-mémoire au féminin. Nous invitons à la soumission de textes qui abordent ces sujets (ou d’autres) dans une perspective de genre:
- Résistance, résilience et survie au féminin
- Culture visuelle : d'un point de vue féminin
- Espaces et temps au féminin
- Migrations féminines
- Activismes au féminin
- Violence, solitude et silence au féminin
- Espaces d'entre-deux au féminin
- Sociabilités au féminin
- Responsabilité et devoir de mémoire au féminin.