Desigualdades sociais e medidas de ação afirmativa

APELO A CONTRIBUTOS/CALL FOR PAPERS

Editoras:

Carla Cerqueira - (Universidade Lusófona – CICANT) (Portugal).
Maria Helena Santos – Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), CIS-IUL (Portugal).
Renísia C. Garcia Filice - (Universidade de Brasília/UnB/Brasil)

Data de submissão: 30 de maio de 2021 (a publicar em dezembro de 2021)

APRESENTAÇÃO

A igualdade, diversidade e inclusão social tornaram-se objetivos legítimos das sociedades ocidentais, formalizados por diversas convenções e legislações. As desigualdades persistem, no entanto, e as ideologias dominantes têm-se mantido relativamente bem instaladas, contribuindo para a manutenção do sexismo, racismo, classismo e outras formas de dominação.
 
Em diferentes contextos geográficos, os grupos intitulados por “minorias” têm-se organizado e constituído ações políticas importantes com vista a serem contemplados na formulação de políticas públicas. A segregação de género na esfera do trabalho é um exemplo disso, persistindo desigualdades no mundo educativo, político, associativo e empresarial que colocam as mulheres em desvantagem, em comparação com os homens, particularmente no que diz respeito aos lugares de poder e tomada de decisão (Santos e Amâncio 2014), complexificando ainda mais quando ao género e à classe, se soma a raça e a etnia, por exemplo (Garcia-Filice 2011).
Partindo de um olhar sobre a segregação de género existente, de facto, após a implementação da democracia e da igualdade formal, rapidamente se começou a perceber que persistiam barreiras informais e invisíveis ligadas ao género que continuavam a dificultar o acesso das mulheres a certos cargos e a progressão nas carreiras (Santos 2011; Santos e Amâncio 2012). Esta realidade é bem patente em diversas esferas e complexifica-se à medida que outros marcadores sociais como a raça, a etnia, a classe, a idade, a orientação sexual e a diversidade funcional são vistos de forma interseccional (Crenshaw 1989; Cerqueira e Magalhães 2017; Collins e Bilge 2018; Akotirene 2019).
O reconhecimento destas múltiplas assimetrias, fruto de reivindicações dos movimentos sociais, feministas e antirracistas (Krook e O’Brien 2010) e das instituições internacionais, como a Organização das Nações Unidas, a União Europeia e o Conselho Europeu (Procacci e Rossilli 1997), nas últimas décadas, a perceção das desigualdades nos resultados, que incide de diferentes formas sobre mulheres, mulheres negras e outras minorias, tem levado países de diversas partes do mundo a implementar várias medidas de ação afirmativa - embora também haja casos em que estas foram proibidas (e.g., ver Long e Bateman 2020). Ou seja, mais do que seguir a tradicional e lenta “via incremental”, percebe-se que medidas como as quotas, por exemplo, se tornaram uma estratégia da “via rápida” (Dahlerup e Freidenvall 2005) com o objetivo de aumentar a representação das mulheres, nomeadamente, na política. Outros grupos sociais foram também objeto de legislação de quotas, incluindo os baseados na língua, religião, etnia, nacionalidade, raça, casta, idade, expatriação, profissão, domicílio e diversidade funcional (Krook e O'Brien 2010).
No geral, as ações afirmativas resultam de intensas disputas entre movimentos sociais, estados, empresas, uma variada rede de atores num complexo jogo de poder de natureza social, económica e cultural. Embora as medidas de ação afirmativa sejam um mecanismo crucial para redinamizar o progresso no sentido da igualdade, a sua implementação é diversa, nem sempre é uma condição necessária, como se verifica pelos casos da Finlândia e da Dinamarca, mas também não é uma condição suficiente, como ilustram os casos da França e do Brasil (IPU 2020). Além disso, há outras estratégias paralelas e alternativas, para além das quotas, que podem ser desenvolvidas, por exemplo, pela sociedade civil, pelos partidos políticos, pelos parlamentos e/ou pelos órgãos do Estado (Krook e Norris 2014).
Apesar da rápida difusão das medidas de ação afirmativa em várias regiões do mundo e tipos de sistemas políticos, assim como do sucesso registado, as quotas são uma das medidas mais críticas das últimas duas décadas (Krook e Zetterberg 2014), gerando fortes controvérsias sociais (Dahlerup 2008; Maggie e Fry 2002). Não obstante, tal fenómeno tem suscitado interesse, tanto por parte da população em geral, como da academia, conduzindo a um amplo debate e crescente desenvolvimento da investigação sobre os seus impactos na educação, na saúde, no mercado de trabalho, na esfera associativa e política a nível nacional e internacional (e.g., ver Beloshitzkaya 2020; Espírito-Santo e Santos 2020; Warikoo e Allen 2020). Compreender as variadas e complexas formas de rejeição às políticas afirmativas em contextos de extrema desigualdade de classe, género, raça, etnia e outros marcadores sociais motiva-nos a propor este Dossiê.
Assim, para colmatar as lacunas existentes na investigação nesta área, este dossiê especial convida a contribuições teóricas, metodológicas e empíricas, com dados nacionais ou internacionais, ou comparativos que se debrucem sobre os seguintes temas:
-    Medidas de ação afirmativa numa perspetiva de género, e/ou de raça, e/ou étnica, e/ou de classe, e/ou idade, e/ou orientação sexual, e/ou diversidade funcional;
-    Análises de medidas de ação afirmativa centradas no mundo educativo, político, associativo e empresarial, entre outros;
-    Abordagens interseccionais em género, raça, classe, e/ou outros marcadores identitários, e medidas de ação afirmativa;
-    Mediatização e estratégias de comunicação em torno das medidas de ação afirmativa em diversas esferas;
-    Políticas afirmativas, ações políticas e movimentos sociais;

-    Entre outras.

Referências
Akotirene, Carla. 2019. O que é interseccionalidade? São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen.
Beloshitzkaya, Vera. 2020. “Affirmative gender equality policies in Central and Eastern Europe: Moving beyond the EU requirements”. Party Politics 1-12.
Cerqueira, Carla, e Sara I. Magalhães. 2017. “Ensaio sobre cegueiras: cruzamentos intersecionais e (in)visibilidades nos media.” ex ӕquo 35, 9-20. https://doi.org/10.22355/exaequo.2017.35.01
Crenshaw, Kimberle. 1989. “Demarginalizing the intersection of race and sex: A Black feminist critique of antidiscrimination doctrine, feminist theory, and Antiracist Politics.” University of Chicago Legal Forum 14: 57-80.
Collins, Patricia Hill, and Sirma Bilge. 2018. Intersectionality. UK: Polity Press.
 
Dahlerup, Drude. 2008. “Gender quotas: Controversial but trendy.” International Feminist Journal of Politics 10: 322-328.
Dahlerup, Drude, and Lenita Freidenvall. 2005. “Quotas as a 'fast track' to equal representation for women.” International Feminist Journal of Politics 7: 26-48.
Espírito-Santo, Ana, and Maria Helena Santos. 2020. “The share of women in decision-making positions across different levels of government.” Representation. https://doi.org/10.1080/00344893.2020.1847180
Garcia-Filice, Renísia Cristina. 2011. Raça e classe na gestão da educação básica brasileira: a cultura na implementação de políticas públicas. Campinas: Autores Associados.
IPU. 2020. Monthly ranking of women in national parliaments. Disponível em https://data.ipu.org/women-ranking
Krook, Mona Lena, and Pippa Norris. 2014. “Beyond quotas: Strategies to promote gender equality in elected office.” Political Studies 62: 2-20.
Krook, Mona Lena, and Diana O'Brien. 2010. “The politics of group representation: Quotas for women and minorities worldwide.” Comparative Politics 42 (3): 253-272.
Krook, Mona Lena, and Pär Zetterberg. 2014. “Electoral quotas and political representation: Comparative perspectives.” International Political Science Review 35 (1): 3-11.
Long, Mark C., and Nicole A Bateman. 2020. “Long-run changes in underrepresentation after affirmative action bans in public universities.” Educational Evaluation and Policy Analysis 42 (2): 188–207.
Maggie, Ivone, e Peter Fry. 2002. “Enfoque”. Revista Eletrônica 1: 93-117.
Procacci, Giovanna, et Maria Grazia Rossilli. 1997. « La construction de l’égalité dans l’action des organisations internationales. » In Encyclopédie politique et historique des femmes, organisée par Christine Fauré, 827-859. Paris: PUF.
Santos, Maria Helena. 2011. Do défice de cidadania à paridade política: Testemunhos de deputadas e deputados. Porto: Edições Afrontamento.
Santos, Maria Helena, e Lígia Amâncio. 2012. “Resistências à igualdade de género na política.” ex ӕquo 25: 45-58.
Santos, Maria Helena, e Lígia Amâncio. 2014. “Sobreminorias em profissões marcadas pelo género: consequências e reações.” Análise Social 212: 700-726.
Warikoo, Natasha and Utaukwa Allen. 2020. “A solution to multiple problems: the origins of affirmative action in higher education around the world.” Studies in Higher Education 45 (12): 2398-241
 

Acesso livre para quem lê e para quem escreve.

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