Género e linguagem: perspetivas e desafios

Eds:

Antónia Coutinho, CLUNL, Universidade NOVA de Lisboa, Portugal
Gabriele Diewald, Leibniz Universität Hannover, Alemanha 
María Muelas Gil, Universidad Autónoma de Madrid, Espanha 
 

PRAZO PARA A SUBMISSÃO DE ARTIGOS: 
15 de janeiro de 2024 (a publicar em junho de 2024)

Resumo:

A problemática da linguagem inclusiva – não sexista, paritária ou sensível ao género – está instalada a nível social e político, com posicionamentos diversos (como acontece sempre que o status quo é abalado). Este facto não se restringe a uma língua ou a um país, em particular: é relevante em diferentes países ocidentais, seja qual for a língua considerada. A questão entrou também no campo científico, no âmbito da linguística ou das ciências da linguagem, com um dinamismo considerável a nível internacional, focando quer aspetos morfológicos e de história da(s) língua(s) quer questões relacionadas com os usos em discurso (veja-se, por exemplo, Cerquiglini 2019; Constantin de Chanay, Chevalier e Gardelle 2017; de Miguel 2022; Diewald and Steinhauer 2022; Diewald forthcoming; Rabatel and Rosier 2019). Em Portugal, no entanto, a discussão científica tem-se mantido reduzida (Coutinho 2021; Matos 2020), apesar das recomendações oficiais relativamente ao uso de linguagem inclusiva, nomeadamente na administração pública (de que dispomos desde 2009) e da publicação de inúmeros manuais de linguagem inclusiva. Os sinais de resistência fazem-se sentir, tanto do ponto de vista da sociedade como da comunidade linguística – a par de tomadas de posição que procuram e pressionam a mudança. Impõe-se, portanto, abrir espaço a uma reflexão fundamentada, do ponto de vista linguístico.  

 Há diferentes perspetivas a considerar. Em primeiro lugar, importa não confundir as noções de género gramatical, género social e sexo. Enquanto o género gramatical é uma propriedade formal que pode associar-se às línguas, o género social e o sexo são, em si mesmos, fatores independentes da língua – que, no entanto, interagem de diferentes formas com os fenómenos linguísticos. Em segundo lugar, convém sublinhar que, numa perspetiva interacionista social (Voloshinov, 1977 [1929]), as dimensões praxiológica e gnosiológica são parte integrante da forma como a linguagem intervém no social, permanentemente re(construindo) o mundo, ou o chamado ‘real’. Neste sentido, escolher dizer um mundo genericamente masculino ou escolher dizer um mundo inclusivo é uma escolha – uma decisão, mais ou menos consciente – de quem usa a linguagem, no momento em que a usa. É verdade que a norma – cumprindo naturalmente o papel de regulação que lhe cabe – funciona como travão a escolhas mais ou menos improváveis ou mesmo polémicas. Mas o poder de que se reveste não é certamente superior ao do dinamismo próprio da língua; e, consequentemente, à expectativa de que a descrição linguística seja capaz de dar conta desse mesmo dinamismo, como bem evidenciou Coseriu (1987, 23).

Deste ponto de vista, à resistência opõe-se a reflexão (meta)linguística e a investigação sustentada – suscetíveis de enquadrarem a experimentação e – se for caso disso, ou quando for caso disso – de registarem (sistematizarem, normalizarem) os usos (alguns usos) que podem hoje situar-se fora da norma.

É face a estas questões que se situa o presente número temático. Pretende-se trazer para a discussão argumentação científica que proporcione uma visão ampla e esclarecida da problemática em análise e, nessa mesma medida, contribua para apoiar, em termos práticos, a implementação e a operacionalização de estratégias de linguagem inclusiva linguisticamente sustentadas.

De forma não exaustiva, apontam-se algumas das orientações de trabalho que se enquadram nestes objetivos:

  • discussão sobre as noções de linguagem paritária, linguagem não sexista, linguagem inclusiva, linguagem sensível ao género, gender-fair language;
  • perspetivas linguísticas (linguística histórica, morfologia, análise do discurso, e.o.) que recuperem e demonstrem a plasticidade das línguas (ou a sua não imutabilidade);
  • dados que permitam enquadrar linguisticamente, relativamente ao sistema e à norma, as estratégias em uso, alternativas ao masculino como neutro universal;
  • descrição linguística que permita compreender quer as especificidades do sistema de cada língua relativamente às questões de género (gramatical) quer as soluções que no uso dessa mesma língua vão sendo encontradas e praticadas (eventualmente numa perspetiva contrastiva);
  • inventariação de estratégias de ordem discursiva (formulação e reformulação, entre outras) como fatores de “des-naturalização”, relativamente aos usos habituais de linguagem sexista.

Esta lista não pretende ser exaustiva. Encoraja-se a apresentação de outras propostas que se enquadrem no tema do dossiê. Aceitam-se textos em português, inglês, espanhol e francês.


Referências Bibliográficas

Cerquiglini, Bernard. 2018. Le ministre est enceinte. Paris: Seuil. 
Constantin de Chanay, Hugues, Yannick Chevalier e Laure Gardelle (dirs.) (2017), Mots, 113/2017 (Ecrire le genre). DOI. https://doi.org/10.4000/mots.22596 
Coseriu, Eugenio. 1987. O homem e sua linguagem (2ª edição). Rio de Janeiro: Presença. 
Coutinho, Antónia. 2021. “Identidades Textuais, Linguagem Inclusiva e (re)formulação”. In Reformuler, une question de genres? | Reformular, uma questão de géneros?, Edited by Driss Ablali, Matilde Gonçalves, and Fátima Silva, 51-65. Vila Nova de Famalicão. Edições Húmus. URL: http://hdl.handle.net/10362/140042
Diewald, Gabriele [forthcoming]. “Gender fair language in German”. In Language and Gender, Edited by Benjamin Fagard and Ana Margarida Abrantes. Lisboa: UCP Editora. 
Diewald, Gabriele, e Anja Steinhauer. 2022. Handbuch geschlechtergerechte Sprache. 2. aktualisierte und erweiterte Auflage. Berlin: Duden.
de Miguel, Elena. 2022. “Lengua, norma y mundo: relaciones y puntos de fricción. A propósito del lenguaje inclusivo”. Puntoycoma 174: 5-30.
Matos, João. 2020. “Poderá uma língua natural sexista? Avaliação do impacto de informação gramatical e de estereótipos de género na compreensão de enunciados com sujeitos masculinos genéricos em Português Europeu”. Dissertação de Mestrado em Ciências da Linguagem, NOVA FCSH. URL: http://hdl.handle.net/10362/110814 
Rabatel, Alain, e Laurence Rosier (coords). 2019. Le discours et la langue, tome 11.1 (Les défis de l'écriture inclusive). 
Voloshinov, Valentin Nikoláievitch (1977), Le marxisme et la philosophie du langage (1st edition : 1929). Paris: Minuit.

DATAS IMPORTANTES 
Data limite de submissão: 15 de janeiro de 2024
Notificação das decisões de aceitação: 31 de março de 2024
Data limite para receção da versão revista: 21 de abril de 2024
Data de publicação da revista: junho de 2024
 

Acesso livre para quem lê e para quem escreve.

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